Terça-feira, 29 de Junho de 2004

EURO-peias

1. Coincidências: Como se não bastasse a contemporaneidade ou simultaneidade do Campeonato de Futebol da Europa com as Eleições para o Parlamento Europeu, assim como a própria e também coincidente utilização de siglas ou acrónimos com a mesma origem filológica – Euro 2004 e Europeias – por se referirem a eventos relacionados com o mesmo território, parece haver um débil e reiterado propósito de colagem como se aqueles fossem duas partículas de pedra-de-cevar.
O uso abusivo e impensado de terminologia futebolística na abordagem das questões da União Europeia e da própria campanha para a Eleição dos Eurodeputados, como sejam a atribuição de cartões (amarelo ou vermelho), a utilização despropositada e desmedida das cores nacionais (quando a causa é a participação do país no contexto da União de Estados), assim como slogans do tipo «Força Portugal», entre outras, não esclarece ninguém, de todo, nem nada abona em prol da participação dos portugueses no domínio da sua cidadania europeia. Para além do mais, a colagem do Futebol ao Poder Político não deixa de ser assustadora até por suscitar o fervilhar do mau agoiro por nos reportar a um passado em que esse era um dos três “efes” que se veneravam ou que um Estado desusado mas Novo de nome usava para iludir o populacho.
A utilização, por vezes até rebuscada ou pretensiosa e, absolutamente, questionável, da terminologia e dos conceitos futebolísticos, assim como a própria colagem forçada das Europeias com o Euro 2004, ganha tal valência que torna a coincidência como mote e reporta à clandestinidade os parcos laivos de explicação do que na realidade é a Europa e para onde vai ela.
Fica por perceber se o traçar deste itinerário preconiza o explorar dos elementos que, pelas suas pequenez e peculiaridade, nos unem, se procura livrar os actores da abordagem e da explicação de assuntos não dominados ou atemorizadores, se procura alcançar objectivos não enunciados ou premeditados, ou se se trata, puramente, de facilitismo no discurso.

2. O culto da incorrecta definição de “Política e de Políticos”. Cada vez mais, e com especial ênfase na campanha eleitoral em curso, a ciência do governo das nações, a arte de conduzir as relações entre os Estados, os princípios que orientam a administração de um governo, o conjunto de objectivos-alicerce da planificação de actividades, ou, se não for muita presunção, a astúcia, a maneira hábil de agir, ou mesmo, a civilidade, dão lugar, reiterada e doentiamente, a uma disforme e dispensável amálgama de insultos, ridículos confrontos pessoais, à fluente e incontinente demagogia, e ao imergir de uma pseudo-cacicagem ou classe pouco preparada ou habilitada, extremamente ofensiva para quem vê no voto uma obrigação fastidiosa de proporcionar melhores estádios a quem parece não ser apropriado para tal função.
De facto, os insultos que nortearam muitas intervenções a que assistimos nos últimos dias, não encaixam decididamente no contexto da política como ciência, nem tão pouco na disputa partidária, mesmo que ainda não se tenham enxugado os suores do PREC ou não se domine a abrangência do político como função.
O avolumar dessas prescindíveis ocorrências e a sua articulação não contribuíram para a aproximação aos eleitores, para a obtenção de apoios, nem tão-pouco para a contagem de espingardas, muito pelo contrário agravou o conceito depreciativo e de descrédito já formado nos cidadãos sobre a política e sobre os seus actores.
Sem dúvida o recurso a discursos insultuosos e a considerações depreciativas sobre defeitos físicos das pessoas intervenientes, é infame e deplorável, assim como é ridícula a especulação jornalística de que os mesmos são alvo.
Por outro lado, a exploração das ideias e o confronto de umas com outras é salutar, porém, lamentavelmente, ficam inviabilizados e rejeitados, em virtude de toda a crítica cair no mesmo saco.
Ao cidadão, enquanto eleitor, é, portanto, e perante uma menos correcta prestação política, exigida maior atenção, mais aprofundada análise e uma participação, também mais elevada.

3. O que é a Europa e para que serve? Mas que eleições são estas? Quem são os candidatos? Para que servem? Estas são questões que ecoam. Talvez, por esta razão, a metodologia e a abordagem da campanha deveriam contemplar uma explicação prévia sobre a Europa, sobre Portugal na Europa, sobre os portugueses como cidadãos europeus.
Ao contrário do que se julga ou do que muitos parecem crer, a Europa não está muito longe. A abrangência das decisões, das deliberações, das recomendações da União Europeia dizem respeito a todos os Estados membros, a todos os concelhos, a todas as freguesias, a todos os cidadãos. A Europa, não é só a fonte dos fundos comunitários, tem outros domínios, outras valências e outras preocupações. E são essas que é preciso saber, aprofundar, analisar e estar atento e ser interventivo.
Não se pode trazer o dossiê Europa para a conversa apenas no momento em que se elegem os 24 eurodeputados portugueses. É imprescindível que este seja um processo em constante abordagem e estudo. É preciso saber de onde vem, onde está e para onde vai a Europa. É também preciso estreitar relacionamentos com os nossos representantes no Parlamento Europeu e nos restantes órgãos comunitários.
Não podemos aceitar que eurodeputados se oferecem para discutir assuntos europeus – que também nos são muito caros – e que o Estado português, em nome dos interesses nacionais não “aproveite” essa disponibilidade. Foi com desagrado que um eurodeputado do PSD o referiu numa conferência realizada em Novembro pretérito e com manifesto incómodo que o público que assistia tomou conhecimento dessa situação.
É preciso inverter tudo e olhar de forma diferente para a União Europeia, que sem dúvida alguma é primeira e maioritariamente vantajosa, mas que como tudo na vida, também tem os seus senões.

4. Votar ou não votar, eis a questão? É por tudo isto que é preciso repensar a participação do indivíduo no contexto das Eleições Europeias, e clarificar que o cidadão, nestas, assim como nas autárquicas, nas legislativas, nas regionais, nas presidenciais, tem a dupla função de sujeito e objecto do acto. Neste quadro é preciso não esquecer que o voto é a materialização de um dever cívico, mas também é, e sobretudo, uma irrenunciável conquista de Abril.
É inaceitável o desinteresse pelas eleições, porque quem não vota é tão responsável pelos resultados eleitorais, como aqueles que, na sua opinião, votaram menos bem. Aliás, para quem não se identifica com nenhum dos partidos, nenhum dos candidatos, nenhuma das propostas e ideias, também há um voto. Este resume-se à dobragem e depósito do boletim, sem se lhe ser efectuada qualquer escolha. É um voto e expressa bem uma vontade.
São estas razões que devem nortear o cidadão, que o devem levar a exercer o seu dever e usar do seu direito, analisar com mais disponibilidade, com mais interesse quem, de entre os candidatos, está à altura de ser seu representante, na freguesia, no concelho, no país, na Europa. É necessário relembrar que nesses representantes confiamos o nosso futuro e dos nossos concidadãos.

Monchique, 8 de Junho de 2004
Victor Santos Correia
(Licenciado em Gestão de Recursos Humanos)
cogitado por vics às 15:16
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