Quarta-feira, 18 de Agosto de 2004

CASSETES DE CACIQUE II – O ‘Segredo’ é gáudio de pirralhos

O SEGREDO PROCURA EVADIR-SE DA CLANDESTINIDADE? CONTEMPLA UMA OU OUTRA CONFISSÃO PARA ALCANÇAR UM ESTATUTO DE MAIOR INTERESSE? OU, É COISA DE PIRRALHOS PARA SUBSIDIAR AS SUAS PÂNDEGAS?


1. NÃO CONTO, É SEGREDO! Esta expressão é-nos familiar. Ou porque já a proferimos ou já a ouvimos em qualquer momento das nossas vidas. De facto, em várias e distintas situações somos portadores ou conhecedores de segredos, de confidências, daquilo que se quer cuidadosamente ocultar ou se não deve dizer. Não porque vivamos numa sociedade de mistérios, mas porque há matérias que, por distintas razões ou aspectos, devem ser premiadas pela discrição, como se estabelecesse um escudo protector daquilo que não está divulgado ou que se diz ao ouvido de alguém, a fim de não adulterar o seu estado de secretismo.

Desde as vivências de criança que se constróem ‘segredos’. Sobre o chocolate que o papá deu e a mamã não podia saber, sobre a paixão que o nosso colega nos falou ter sobre qualquer miúda, sobre a cábula que o colega fez e utilizou permitindo ter a melhor nota da turma, enfim, segredos. Outros porventura construídos do nada só para arreliar o ouvinte, enfim, pândegas.

Curiosamente, parece que são as crianças, ou os adolescentes, os indivíduos que melhor guardam segredos. Nem a crueldade ingénua das crianças, que as torna implacáveis e "politicamente incorrectas" nalgumas intervenções, quebra o pacto acordado – guardar segredo.

Se analisarmos com afinco a faculdade de ‘guardar segredo’, constatamos que nos adultos um «vá lá, conta lá» ou um «oh pá, se não querias contar, porque é que começaste», acabam por ser mais que suficientes para ‘levantar a ponta do véu’. Às vezes e com certas ‘bocas de matraca’, ‘bufos’ ou outros delatores, dá-lhe o vento e lá se vai o véu. Parece que ao indivíduo que divulga pela primeira vez determinado assunto lhe são atribuídos pontos ou qualquer outro laurel.

Importa ainda considerar dois tipos de segredo entendidos como relevantes, a saber: de Estado e profissional. O Segredo de Estado fundamenta-se no facto de ser exigido secretismo na medida em que, a divulgar-se, prejudicaria os interesses da Nação. Por seu turno o segundo, mais conhecido por ‘sigilo profissional’ está implícito a várias profissões, por força da lei e, indirectamente a todas as funções e seus titulares.

Considero ainda, na actual conjuntura social, económica, política e cultural, a existência de três outros tipos de segredo:

I) o ‘segredo puro’, de pertença das crianças e religiosamente guardado;

II) o ‘segredo alma do negócio’, que se refere à discrição negocial e com potencial endógeno de riqueza;

III) o ‘negócio de segredos’, que se refere à transmissão negocial subterrânea e ilícita de segredos.


2. À MARGEM DO SEGREDO. Da forma como certos segredos são tornados públicos confirma-se o conceito de que há cada vez mais indivíduos que não sabem, não podem ou não querem guardar segredo, ou ganham mais se ficarem à margem dessas ‘gaiatices’.

Há algum tempo assistimos a uma espécie de julgamento em praça pública do secretário-geral demissionário do PS, Ferro Rodrigues, por este proferir algo do género «estou cagando para o segredo de justiça». Merece reflexão esta situação, mas não aquela que lhe foi efectuada nos mass media. Vejamos: a expressão foi dita ao telemóvel, num estado de espírito e quadro muito singulares e delicados, e de natureza muito íntima e oficiosa. Neste sentido, creio que está claro que o seu emissor julgava ter um só receptor, aliás nada lhe faria tampouco pensar nesse aspecto, sejamos realistas. Mais, a dita expressão só espelha que o seu emissor valoriza, em absoluto, a relação de amizade e confiança que tem com os seus colaboradores.

O mais grave, no meu entendimento, não é a ‘asneira’ ou quem a disse, mas sim quem a divulgou. Quem o fez, sabe em que contexto a ouviu. E quem divulgou o que esse ouviu, ainda esteve prior. Má fé? Falta de isenção? Falta de discrição? Os profissionais que o fizeram, certamente, contornaram os seus conteúdos funcionais.


3. GUARDAR SEGREDO: Às vezes interrogo-me se a conjugação do verbo guardar, quando precede o vocábulo ‘segredo’, em certas mentes, tem registo para a primeira pessoa do singular e do plural. Talvez não.

Até há segredos que a sua natureza é tão ridícula que guardar ou esquecer ou marimbar para eles é igual. No entanto, outros há, que lhes é exigido o íntegro e rigoroso cumprimento, designadamente o ‘segredo de Estado’ e o ‘sigilo profissional’. E nestes casos o que se espera é decência, compreensão e discrição, de todos os agentes, mas em especial e particular aos profissionais que lidam com essas matérias. Esses são tidos como os ‘guardiões do segredo’.

O que esperamos nós dos ‘guardiões do segredo’? É esperado silêncio. É esperada força e robustez aos ataques mediáticos. Resistência. É esperado que cumpram a sua função.

Se não guardam eles o segredo, quem é que guarda?


4. POR QUE É QUE NÃO GUARDAM ELES OS SEGREDOS? Esta questão toma corpo. Merece respostas. Cria um quadro em que é inevitável formular um conjunto de dúvidas: haverá interesses? De que tipo? Porquê? Não sabemos. Será que também se aproveita o desconhecimento do pleno para introduzir meias-verdades, balelas e petas? O que é que se ganha com isso? Tempo? Importância? Inquinação dos processos? Descredibilização? Porquê? Para quê?

Haverá certamente muitos interesses por detrás de toda essa introdução, na sociedade, de pequenas, ou grandes, partículas dos segredos.

Neste "mar de incertezas", há certezas que naufragam em toda a parte, mas uma coisa é certa, quem deveria guardar o segredo não o fez. Esse é o fulcro da questão. Mas os mass media preteriram-no em detrimento de ‘peanuts’.


Monchique, 18 de Agosto de 2004

Victor M Santos Correia
(Licenciado em Gestão de Recursos Humanos)
vics@sapo.pt
cogitado por vics às 20:15
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Segunda-feira, 16 de Agosto de 2004

CASSETES DE CACIQUE I – Da ferramenta de trabalho à ferramenta bélica

O MESMO ELEMENTO EM MÃOS DISTINTAS TEM VALOR TAMBÉM DISCREPANTE, TUDO DEPENDE DA INTERPRETAÇÃO E DA UTILIDADE QUE SE LHE DÁ. UM ‘APONTAMENTO’ DE UM JORNALISTA, CAÍDO NO REGAÇO ALHEIO METAMORFOSEOU-SE NUMA INDUBITÁVEL ‘ARMA DE ARREMESSO’, PORÉM, ADULTERADA E COM DISPARO AVESSO.

1. A 'NOTÍCIA': Mais um mediático caso volta a surgir em Portugal, merecendo todas as primeiras páginas de jornais, capas de revistas e flash de abertura nos noticiários da televisão e da rádio. Com o tratamento dado à matéria objecto de notícia, uma vez mais, se assistiu à exploração estropiada, no meu entendimento, do assunto em concreto, tendo alguns elementos de relevante interesse sido preteridos relativamente a outros que, quando trabalhados, apenas servem para instalar a confusão e desviar o ponto fulcral.

Perante este quadro, creio que, primeiramente, somos convidados a reflectir sobre o conceito de ‘notícia’. Vejamos: o vocábulo que provém do latim «notitia» define tratar-se de um relatório ou informação sobre um acontecimento recente; um assunto de interesse, matéria adequada para jornal e noticiários de rádio e/ou televisão; uma informação, uma novidade, uma “nova”. Ora, aqui começa a discrepância:

I) São muitos os assuntos que, apesar de não serem relevantes, são apresentados nos mass media com frequência;

II) Por serem reiteradamente explorados e “reexplorados”, deixam de constituir uma novidade;

III) Pela sua forma e conteúdo, não se assemelham a uma ‘informação’ na verdadeira acepção da palavra.

Na verdade, andamos a “comprar gato por lebre”.


2. A “BOATO-NOTÍCIA”: Ao longo dos tempos, com efeito, temos assistido a uma descredibilização da ‘notícia’. Penso até que ao indivíduo que a elabora já não é muito correcto chamar-lhe ‘jornalista’. Creio que a função ‘fazedor de boato-notícias’ lhe assenta bem melhor.

Em meados de 1992, frequentei um curso de jornalismo promovido pelo CENJOR - Centro de Formação de Jornalistas, de onde retenho bem emergente, por força do período mediático que se tem vivido, um princípio basilar para a elaboração de uma notícia proferido naquela acção pelos afamados jornalistas Carlos Madeira e Vasco Fernandes – para publicar uma notícia é preciso consultar três fontes e só publicar o que é comum às declarações obtidas. Penso que esta exigência advém da necessidade de publicar a novidade sem deturpar a verdade a ela inerente. Com efeito não deixa de ser o ideal de uma notícia, só que nos dias de hoje as manchetes suscitam muitos interesses, não noticiosos mas talvez pessoais, institucionais, correligionários ou comerciais.

Desta feita, basta um boato ou uma interpretação mais leviana de uma ocorrência ínfima para dominar a actualidade do dia seguinte.

No braço-de-ferro entre o 'boato' e a 'notícia', em todos os duelos tem ganho, claramente, o 'boato'.


3. AS FERRAMENTAS DA NOTÍCIA: O jornalista ou o ‘fazedor de boato-notícias’ recorre a ferramentas para o seu trabalho tal como qualquer outro indivíduo em qualquer outra actividade laboral. Abandonados a estenografia ou o gravador analógico, na actualidade aqueles profissionais fazem-se acompanhar de um ‘bloquinho’ “para inglês ver” e gravador digital. Se antevêem autorização para gravar, levam o equipamento maior, se julgam indeferida essa pretensão, fazem-se acompanhar de um equipamento “escondível”. Se autorizados para gravar, constróem registos magnéticos para utilizar na peça jornalística. Se gravaram à socapa, ficam com ‘apontamentos’ de suporte à elaboração da peça.

É crime captar imagem ou voz sem autorização ou conhecimento do visado. Os jornalistas sabem disso. Talvez por essa razão não utilizem o ‘fruto proibido’, a menos que um dia precisem e entre o crime cometido e a verba adquirida consigam obter lucro.


4. A QUEM PERTENCE O 'FRUTO PROÍBIDO'? Será que se o ‘fruto proibido’ cair em mão alheia o legitimo proprietário o reclama? Com que direito? Será que a transmissão negocial ou furtada desse ‘fruto proibido’ não transfere a ‘culpa’ para o adquirente? Será que o adquirente se preocupa com a titularidade de um ‘fruto proibido’ que lhe é colocado à porta ou na caixa do correio? E será que algum dos compradores, vendedores, furtados ou premiados se preocuparão, quando poderão envolver um qualquer desconhecido intermediário que, eventualmente, possa ter trabalhado ou adulterado o conteúdo do ‘fruto proibido’? Todos ficarão ilibados. Todos. Até mesmo os donos das vozes captadas.

Com efeito, a susceptibilidade dos registos magnéticos digitais e a sua faculdade de serem alterados, actualmente, por força da inovação tecnológica é tal, que, atentos para esta matéria, muitos entrevistados solicitam a verificação dos textos finais antes de serem publicados.

Perante esta situação e também apreensivo, permito-me considerar que uma simples ferramenta de trabalho, na mão de outro assume faculdades impensadas. Uma autêntica arma que todos sabem que dispara só não sabem em que sentido o faz, ou se pura e simplesmente explode ou implode.


Monchique, 16 de Agosto de 2004

Victor M Santos Correia
(Licenciado em Gestão de Recursos Humanos)

vics@sapo.pt
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